domingo, maio 30, 2010

 

Escravos e Libertos


Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Campus X – Teixeira de Freitas – Depto. de Educação
Curso: História IV
Disciplina: História do Brasil (séc. XIX)
Docente: Profa. Liliane Maria Fernandes Cordeiro Gomes
Acadêmico: Hermas Braga Dale Caiuby
18/03/2009

ESCRAVOS E LIBERTOS NA BAHIA DOS ÚLTIMOS ANOS ANTES DO TREZE DE MAIO

Fraga Filho, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.

Nas últimas décadas da escravidão as tensões eram muito grandes. As fugas, rebeliões e recusas a trabalhar foram constantes.
Os escravos fugiam para a cidade, não mais para se esconder, mas para dar queixa à polícia e reclamar de maus tratos. E eram atendidos. Juízes julgavam causas em seu favor.
Nessas ocasiões, nos contatos que mantinham com o povo da cidade, ficavam sabendo das discussões no parlamento sobre a abolição e a respeito do projeto de lei. E aguardavam isso com bastante ansiedade.
Após a Lei Áurea os negros libertos invadiram as ruas para festejar. Foram muitos dias de comemorações e de muita tristeza para os senhores dos engenhos. Vários se suicidaram no desespero da perda do patrimônio humano e da mão de obra para a produção. Tudo foi abandonado. Nada funcionava mais como antes.
Alguns libertos permaneceram nos engenhos tocando suas roças de subsistência que consideravam de sua propriedade, mas sem prestar serviços na lavoura de cana. Outros, após negociações de remuneração com os senhores, aceitaram continuar, porém de maneira bem diferente, com bem menos tempo de trabalho e com um tratamento condigno com sua nova condição de cidadão.
Muitos libertos preferiram ir para o mais longe possível do engenho onde foram cativos, para esquecer e evitar que seus antigos senhores continuassem a se intrometer em suas vidas.
As comunidades espalhavam-se por todo o Recôncavo Baiano. Famílias e companheiros que trabalharam juntos e outros, separados para engenhos diferentes e que voltavam a se encontrar.
No engenho Maracangalha formou-se a maior comunidade, para onde fluíram muitos libertos querendo encontrar parentes, amigos ou simplesmente para ficar em um novo lugar para uma outra vida, cheia de esperanças e alegrias.
Histórias contando as expectativas e frustrações dessa gente são narradas com detalhes e emoção nesta obra de Fraga Filho.
No capítulo primeiro, Fraga Filho descreve a situação dos engenhos localizados na maior região produtora e onde se encontravam os maiores engenhos: o Recôncavo Baiano. A situação era crítica, desde a década de 1870, agravada com o fim do tráfico negreiro em 1850 e as leis favoráveis aos escravos que motivaram mudanças de comportamento da população negra. O número de cativos diminuía com essas leis, alforrias, mortes, fugas e a proibição da importação de africanos.
Fraga relata a formação de sólidas comunidades nas cercanias dos engenhos, ligadas por laços familiares, amizade e compadrismo. Em muitas ocasiões, forros lutavam na justiça para conseguir a libertação de parentes e amigos.
No segundo capítulo, Fraga conta um caso de conflito ocorrido no Engenho do Carmo, pertencente à Ordem dos Carmelitas com um convento em Salvador. O que aconteceu é detalhado por Fraga não como um caso único. É um exemplo de vários outros desse tipo naqueles anos tensos que antecederam a abolição.
Frei João Lucas do Monte Carmelo, nasceu no Porto, em Portugal, orientador de seminaristas, veio ao Brasil e chegou à posição de prior do Convento do Carmo. Simultaneamente, era o administrador do engenho, representando os carmelitas. Rigoroso e exigente, supervisionava e orientava o trabalho dos escravos, com o auxílio de feitores.. Em uma época de movimentos abolicionistas e repúdio a castigos físicos aos escravos, Frei João Lucas, em14 de setembro de 1882 ameaçou um cativo, tirou-o da lavoura e mandou levá-lo para o engenho. Seus companheiros entraram em alvoroço e, apesar de, no trajeto para o engenho, o frei ter perdoado o escravo, em sua volta à lavoura, foi grosseiro e ameaçador com os outros que vieram pedir o perdão para o companheiro. Imediatamente Frei Lucas foi atacado e morto a golpes de foice, enxadas e outros instrumentos de trabalho.
A tendência às transgressões e violências por parte dos escravos em geral mostrava que eles não estavam mais dispostos a se submeter a castigos, inclusive a perder o descanso dominical, frequentemente utilizado por feitores e senhores e que os impossibilitava de trabalhar em suas roças de subsistência. Esses fatores causavam revoltas constantes que acabaram por destruir paulatinamente o poder senhorial.
No capítulo terceiro, Fraga Filho, narra o movimento abolicionista e sua influência sobre a população e os escravos.
Entre 1880-1888, o povo das cidades já execrava o sistema escravagista. Estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia centralizavam as ações de protestos e esclarecimentos, inclusive orientando e defendendo na justiça os cativos dos engenhos e das cidades.
O 13 de maio e os dias seguintes é o assunto do quarto capítulo.
As ruas de Salvador ficaram lotadas de gente. A banda “Música dos Libertos” entrou em cena para animar em meio a foguetes estourando, discursos eloqüentes e efuzivos de abolicionistas, beberragens, gritaria, danças e muita alegria.
Pânico, pavor, tristeza e desolação também ocorreram. Estes pelo lado dos senhores de engenho, na iminência de falir, quebrar e ter uma produção nula. Iludiram-se muitos que pensavam em receber indenização pela propriedade humana perdida, o que não aconteceu.
No capítulo quinto vêm desentendimentos e inconformismos que deixavam o relacionamento entre os libertos e senhores de engenho em difícil situação para acordos. Alguns proprietários não queriam nem que, os chamados ingratos por recusarem-se a continuar o trabalho, ficassem em suas roças.
Maracangalha, hoje uma povoação, foi um engenho para onde fluíram muitos libertos para plantar suas roças, formando uma comunidade que apreciava saborear a liberdade e a sensação agradável e de prazer trazida por ela.
Em seguida, no sexto capítulo, vêm as divergências de pensamentos entre libertos e ex-senhores.
Até o 13 de maio, a mão-de-obra escrava era a única alternativa nos engenhos. Libertos e forros foram para o cultivo de fumo, café, farinha, fábricas e indústrias têxteis que se desenvolviam. Não havia força de trabalho barata disponível.
A vinda de imigrantes foi levada em consideração, mas não resultou em nada. A maioria preferia gente daqui mesmo, sob coerção à vadiagem.
Depois da abolição, muitos tentaram reter seus cativos na base do sentimentalismo de gratidão deles para com o senhor. Porém, essa gratidão, manifestada em várias oportunidades, vinha de um paternalismo e não do desejo sincero de permanência. Os libertos tinham outros planos e a perseguição à vadiagem de nada adiantou.
A produção dos engenhos despencou assombrosamente. Os libertos que permaneceram, além de um salário justo, determinaram um número bem menor de horas de trabalho. O tratamento para a nova condição também foi completamente alterada e é a respeito desse assunto que trata o capítulo sétimo.
A permanência nos antigos engenhos obrigou os ex-escravos a resistirem duramente contra a disciplina e imposições do passado. Castigos físicos e punições: nem pensar!
Os libertos ainda tiveram de lutar muito para consolidarem-se como cidadãos livres e repudiar a dedução de que ainda poderiam ser tratados de acordo com o modo costumeiro do sistema escravagista.
No capítulo oitavo, Fraga Filho fala da comunidade e vida familiar de libertos, com várias histórias que realçam a importância das comunidades surgidas nos engenhos, com familiares e amigos que trabalhavam juntos ou nas vizinhanças. Famílias formadas no mesmo local onde viveram seus antepassados e que lá mesmo se ampliaram. A solidariedade e ajuda mútua continuaram após o Treze de Maio e formaram uma base de apoio para novos anseios, esperanças e mudanças de vida para os integrantes dessas comunidades.
Essas mudanças de vida de muitos libertos que preferiram tomar outros rumos são delineadas no capítulo nono.
A circulação de negros pelos centros urbanos passou a ser um fator de medo do que chamavam de rapinagem. Considerados vadios, vagabundos e desregrados, eles eram perseguidos pelas autoridades policiais.
Procuravam emprego em outros lugares com a finalidade de ficar longe do local de seu passado escravo que queriam esquecer. Outros locomoveram-se procurando parentes e amigos separados à força durante a escravidão.
No epílogo, Fraga nos informa que o movimento abolicionista não se encerrou no 13 de maio como parece ser. Os negros, apoiados por estudantes e figuras de destaque, continuaram sua luta em movimentos sociais contra as desigualdades, discriminações e bloqueio ao acesso à terra.
A obra de Fraga Filho, além de nos trazer histórias reais que emocionam o leitor, marca o nosso coração com um deslumbramento pela liberdade e pela saga dos escravos durante séculos até finalmente conseguirem coligir forças suficientes para vencer o opróbrio da escravidão.

Hermas Caiuby

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